Esboços ao luar

  Ao meu neto António   Para que recorde a nossa primeira viagem sozinhos, mas sobretudo para que da sua memória nunca se apague a palavra “Liberdade”! Que no brilho dos seus olhos permaneça a eterna curiosidade e paixão pelo saber e que a sua vida se paute pela coerência e dignidade. Era a primeira vez que avó e neto faziam uma viagem juntos, a sós. Uma viagem de dois dias, diga-se, a uma centena de quilómetros de casa, não fossem as saudades do pequeno António vir-lhe povoar os sonhos na sua primeira noite, sem os pais por perto. Mas não! Aquela aventura de avó e neto começou e decorreu muito bem, sem percalço algum! O amanhecer do segundo dia surgiu cheio de energia e entusiasmo mesmo com um sol de abril envergonhado e uma brisa fresca que descia a Serra de S. Mamede e os fez vestir mais um casaquinho. O destino era partir à descoberta de Castelo de Vide…   Entraram no castelo, mas esse seria para os dois, um castelo muito diferente daqueles que habitam os l...

  Incoerência   Este janeiro ainda me arrebata de sofrimento, este peso, esta escuridão dos dias, estas horas infindáveis e austeras… Este janeiro de sol tímido e onde as estrelas se escondem no breu das noites este janeiro de chuvas frias que me atrofia alma e me sufoca…   grilhão que   me aprisiona o olhar no infinito… Este janeiro é silêncio e grito, é dor e paz, é abraço e partida, é revolta e doçura, é beijo e lágrima… Este janeiro é ontem e hoje, é solidão e vida… Este janeiro é começo e fim, é memória… é saudade…   D.P.   17.01.23

  Sonho   Deixa-me ficar entre as tuas mãos e beber a vida no teu sereno olhar. Deixa-me saborear o perfume da tua pele e lentamente adormecer a teu lado. Agora o sonho toma conta de nós e por ele vamos, até ao infinito do nosso amor!…   Não me despertes, fica apenas a meu lado neste silêncio das nossas vidas… Quando a madrugada chegar, fecha as cortinas… Não deixes que ela me leve de ti… Ainda é tempo de sonhar, ainda é tempo para cumprir o amor que nos enleou… Volta para mim… Fica apenas a meu lado… deixa-me saborear o que de ti ficou, a vida, o sol, o mar revolto durante o estio,   os risos cristalinos dos nossos netos…   Deixa-me sonhar… Não me despertes…   D.P. 9/12/22  

  21 de junho de 2022   O céu cinzento não mostra o verão que hoje nasce, mas os pássaros não desistem de o anunciar. Esvoaçam entre as árvores cortando o céu numa dança melodiosa e ondulante. Há 36 anos o tempo abraçou-nos com um sol tímido e salpicado de grossas gotas, ocultavam as lágrimas felizes que não conseguíamos esconder. Era o nosso dia! Aquele que esperáramos sempre, tu e eu… O dia que marcava o nosso nascimento, nascêramos ali, na nossa cidade, naquela pequena e histórica Igreja Românica! Tudo esteve certo, tudo se cumprira! Eu e tu num amor improvável, num amor simples, tudo se cumprira! Hoje, também se cumpriu mais um dia sem tempo... Este já não é o “nosso” dia, é apenas meu, mas eu quero que nele permaneças, não por teimosia, apenas por amor! Eu quero que permaneças, não por saudade, apenas pelo sorriso que as lembranças desenham nos meus lábios… Hoje, já não preciso da chuva para me ocultar as lágrimas…   hoje, quero apenas o sol para me inu...

21de março 2022  Hoje é o dia da Poesia! Quase o esquecia! Talvez porque, nestes dias, a poesia anda arredia… Nestes dias, as palavras são tristes, pesadas como misseis, vermelhas de sangue… negras de cinza fumegante! São palavras de mágoa, de lágrimas grossas, de vento cortante! Neste dia da Poesia, os poemas são brancos de neve fria, mudos de rimas… Neste dia da Poesia, os versos são longos… trespassam o coração dos Homens! Neste dia, esmorece a luz e os poemas são de breu, neste dia, rajadas de estrelas descem sobre a Terra E uma imensa cratera é vala comum… Neste dia, é urgente… é urgente escrever a palavra PAZ!  D.P. 

  Afeganistão   Nestes últimos dias, tenho pensado naquela expressão, nem sempre consensual, entre os Historiadores, “a História não se repete, mas rima”. Ao ver as imagens que nos chegam do Afeganistão, o meu pensamento foi de imediato até à Segunda Guerra Mundial. Milhares de homens, mulheres e crianças, atolados num esgoto fétido aguardando, debaixo de um sol impiedosamente quente, a autorização para sair de Cabul, fugindo da guerra, da perseguição, da intolerância, da prepotência, mas também da fome, da miséria que a seca agravou. Um esgoto a céu aberto, coberto de seres humanos que indiferentes ao cheiro, ao lodo pestilento que lhes cobria as pernas até aos joelhos, apelavam à liberdade, à vida! Também durante a Segunda Guerra Mundial, milhares de europeus deambularam pelo velho continente fugindo à ocupação nazi, à guerra, à intolerância, à prepotência, à xenofobia… Poucos foram aqueles que tiveram a sorte de conseguir um visto para a liberdade, para a sobrevivên...