Ao meu neto António

 Para que recorde a nossa primeira viagem sozinhos, mas sobretudo para que da sua memória nunca se apague a palavra “Liberdade”! Que no brilho dos seus olhos permaneça a eterna curiosidade e paixão pelo saber e que a sua vida se paute pela coerência e dignidade.

Era a primeira vez que avó e neto faziam uma viagem juntos, a sós. Uma viagem de dois dias, diga-se, a uma centena de quilómetros de casa, não fossem as saudades do pequeno António vir-lhe povoar os sonhos na sua primeira noite, sem os pais por perto. Mas não! Aquela aventura de avó e neto começou e decorreu muito bem, sem percalço algum!

O amanhecer do segundo dia surgiu cheio de energia e entusiasmo mesmo com um sol de abril envergonhado e uma brisa fresca que descia a Serra de S. Mamede e os fez vestir mais um casaquinho.

O destino era partir à descoberta de Castelo de Vide…

 Entraram no castelo, mas esse seria para os dois, um castelo muito diferente daqueles que habitam os livros de histórias de reis e rainhas, ou de cavaleiros valorosos que com as suas espadas combatem o mal e no final casam com uma princesa muito bela e são felizes para sempre.  Este castelo iria contar-lhes uma outra história, com outros personagens e outros enredos, por vezes atribulados, cheios de lutas e tristezas, mas teria, como nas outras histórias, um final feliz!

Ao transporem a pesada porta do castelo, numa parede restaurada, podia ler-se: Casa da Cidadania Salgueiro Maia!

Avó e neto, de mãos dadas, entraram no museu, porque afinal era de um Museu que se tratava, e diante dos seus olhos uma frase cobria a parede fronteira:

 “… há os estados socialistas, os estados ditos comunistas, os estados capitalistas e há o estado a que chegámos…”,

a avó inclinou-se sobre o neto e com a mão sobre os ombros do pequeno, foi lendo em voz baixa e pausada…

António escutava atento e no seu olhar de inocência misturava-se a curiosidade própria dos seus sete anos. Certa que eram palavras difíceis de entender, a avó descodificou a mensagem o melhor que soube e olhando-o nos olhos, concluiu:

Sabes António, estas palavras foram ditas pelo Capitão Salgueiro Maia, aos seus soldados, na parada da Escola Prática de Infantaria, em Santarém, antes de partir para Lisboa para fazer o 25 de abril de 1974. E para que todos os soldados pudessem tomar uma decisão livre e consciente, o capitão de abril acrescentou:

Ora nesta noite solene, vamos acabar com o estado a que chegámos. De maneira que, quem quiser vir comigo, vamos para Lisboa e acabamos com isto. Quem for voluntário, sai e forma. Quem não quiser sair, fica aqui!

António olhou a avó e sorriu e ela nem se atreveu a perguntar-lhe se tinha entendido, naquele momento não era o mais importante… O importante era começar a aprender…

Iniciaram então a visita à casa da Cidadania Salgueiro Maia porque ali, naquela parede branca, começava a História!  

 

D.P.

abril 2023

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