24 de Janeiro de 2021

Hoje foi o dia de eleições presidenciais e não fosse este contexto de pandemia seria em tudo igual a outros atos eleitorais pós 25 de Abril. Seria? Não, seguramente não seria!!!

O país está doente, o mundo está doente, cheira a morte, a desespero, a angústia, a tristeza, a dor… É urgente sairmos deste torpor, é urgente voltarmos à vida, à normalidade, aqui e no Mundo…
Hoje foi um dia triste para mim, a acrescentar à tristeza destes últimos meses, repletos de incerteza e dor… Seria mais um domingo, em casa, passando o tempo a arrumar papéis, gavetas onde se amontoam coisas mais ou menos insignificantes ou a organizar os livros que se vão atirando para as prateleiras sem tempo para serem lidos… hoje, perdi-me a decorar uma pequena caixa de sapatos, onde coloquei uma etiqueta: “Memórias”… Simples, o título. Simples, o conteúdo… Simples? Não! Doloroso… Guardei nela, cartões teus, canetas de tinta permanente que atravessaram o Atlântico para te serem ofertadas pelos teus parentes do Brasil… Brasil, a viagem que não fizemos… relatórios médicos, calendário de consultas… Que eu li, reli, e revivi… Os teus óculos de sol, que te ficavam tão bem!!! E até um convite para a “Nossa Feira Medieval”, que me devolveu o sorriso, no meio de tanta saudade… Até ficou bonitinha a caixa…
Quanto tempo, meu amor! Já me perdi nas letras feitas palavras. Perdi-me no porquê destes desabafos… Dizia eu que este foi um dia triste para mim, será que triste é a palavra certa? Desalento? Talvez…
24 de Janeiro de 2021, dia de eleições, dia que me fez questionar muita coisa, sobretudo o meu papel de professora, Professora de História! Sobretudo quando o nosso filho me diz com toda a sua autoridade de 19 anos: “Esquece o programa da disciplina, não é no 9º ano que deves falar destas coisas, mas sim no 5º! Tens de começar no 5º ano para que os garotos comecem cedo a perceber o que é a democracia!”
Foi o teu filho, sim, que no meio do seu desalento e da sua revolta me exortava à proclamação dos ideais de Abril que ele só conheceu nos livros de História. Se o dia terminou em tristeza pelas escolhas feitas do povo português, salvou-o este grito de Liberdade dado pelo nosso filho ainda tão menino!
Tu vives nele, não tenho dúvidas, mais enérgico, tempestuoso (é a idade, eu sei), mas está lá, aquele pedacinho de ti, amante da Liberdade, da Igualdade, acredito que se voltássemos ao tempo das “Manifes”, ao tempo das lutas pela consolidação da democracia, o veríamos de punho erguido, convicto do caminho certo…
Caminho certo… E hoje, fizemos o que está certo? Que contributo demos para a consolidação da nossa Democracia? Exatamente, Democracia, governo do Povo. O Povo decide, através do voto… Eu costumo dizer aos meus alunos que o Povo, em contextos complexos da nossa História, soube sempre qual o caminho a seguir … E nem, nos longos anos da ditadura, ele se aquietou, mesmo amordaçado, numa luta desigual, houve sempre quem dissesse NÃO!
Penso que hoje, a partir do dia de hoje, vamos ter que repensar muita coisa na nossa Democracia e não podemos combater o desencanto que a política dos últimos anos nos tem proporcionado, com discursos xenófobos, racistas, ataques violentos à dignidade da pessoa humana… Este não é de todo o caminho certo, não é o caminho da liberdade, mesmo quando nos dão o direito de pensar diferente. Essa liberdade implica responsabilidade, como pessoa e como cidadão, cada um de nós terá de fazer a sua parte em prol de todos.
Este domingo não terá grande importância se a partir de hoje todos contribuirmos para a justiça social, se lutarmos pelo direito à diferença, seja ela qual for, se denunciarmos a corrupção e a falsidade de quem nos quer manietar, então sim, este domingo morrerá aqui!
Eu e tu, que vivemos Abril ainda sem sabermos um do outro, longe de sonhar que um dia o sonho seria o mesmo: nós! E que acabamos por educar os nossos filhos transmitindo-lhes esses ideais, tu mais sereno, eu mais afoita, mas sempre, na verdade, no livre arbítrio (são os três tão diferentes!), sempre nos princípios da cidadania.
Também na escola, hoje apenas eu, tento passar esta mensagem de liberdade e democracia aos meus alunos, mas a partir de hoje as palavras do nosso filho vão ser o lema dos meus dias.
Como dizia o nosso escritor, Manuel António Pina, no seu “Tesouro”, que eu faço questão de ler quando Abril acontece, a liberdade é um Tesouro que agora nos pertence.
Hoje dia de emoções, dia de memórias, de vida e vidas simples…

D.P.

Comentários

Mensagens populares deste blogue

Ao meu neto Francisco